28 março, 2008

PARADISE HUNTERS AND PARADISE SELLERS

Estas expressões, em inglês, servem melhor ao sentido irônico que lhes quero atribuir. A caça ao paraíso existe desde os mais remotos tempos, quando Adão e Eva foram dali expulsos por terem se permitido os prazeres sexuais proibidos – como narram os mitos bíblicos.
Foi aí que surgiu e se impôs esta, aparentemente, insanável necessidade de recapturar o paraíso perdido, para nele viver por mais algum tempo ou mesmo para sempre, como logo começaram a prometer todas as religiões, tanto as mais antigas, quanto as que as sucederam – e ainda o fazem.
Mesmo que fosse preciso esperar pelo fim da existência, a migração paradisíaca acenada, parecia valer a pena, nem que fosse pelo preço de uma obediência a Deus, mediada por homens que se apresentavam, e ainda o fazem, como seu representante: eram os paradise sellers. São os pastores, padres e rabinos de todos os tempos e de todos os credos – eles mesmos, também, candidatos às mesmas benesses.
Como jamais foi possível provar a existência do paraíso postmortem surgiram ideologias laicas que se diziam capazes de criar um tipo de organização social que conduziria ao paraíso, desde que seus pretendentes estivessem dispostos ao esforço necessário, ou que o Estado tomasse isso a seu encargo.
O que se tem visto, no entanto, é que nem o Capitalismo, nem o Socialismo deram conta de suas promessas implícitas. O primeiro deu nascimento a um exército de paradise hunters que nomearam os recantos pitorescos do planeta que habitamos de paradise resorts. Em seguida, como é de hábito, surgiram logo os paradise sellers, típicos da organização social capitalista, dando enorme impulso à industria do turismo, que hoje em dia, lota os hotéis, os aviões e os navios, que se tornaram, eles mesmos, uma expansão dos resorts paradisíacos.
Para vencer a deformação capitalista habitual, intrínseca, que dava um lugar no paraíso a um grupo menor de pessoas – os mais ricos – o socialismo se apresentou, dando fundamentos históricos à sua promessa de desfrute paradisíaco coletivo. Seus paradise sellers são os próprios ideólogos da evolução histórica apregoada, mas fracassada em suas múltiplas experiências.
Nenhum dos 3 sistemas que se propuseram dar uma solução edênica às asperezas da vida desapareceu de todo, e tem adeptos em toda parte.
Todos estão fundamentados em mitos, gerados no princípio do prazer, cujas propostas são necessariamente hedonísticas. Mitos não carecem de provas, mas de crentes.
Há, agora, uma quarta solução em pleno andamento, que se espraia pelo mundo, movida por um vigor incontrolável: é o mundo das drogas.
A linguagem com que se apresenta é, necessariamente, outra. O paradise-resort, proclamam seus adeptos, está ao seu alcance onde você estiver: basta ingerí-lo, em qualquer de suas apresentações.
Para não ficar muito distante dos recursos precedentes, chamam seus efeitos de “viagem”. É um turismo químico (turismo vem de tour). Ainda não dá para dispensar os paradise sellers, mas já elimina navios, aviões e passaportes. Dispensa as obediências impostas pelas religiões, que implicam na paciência de esperar pela morte. Dispensa também as soluções laicas, prometidas pelas ideologias políticas. É de realização imediata. Navega no tempo do “fui” e tem a mente por cenário.

03 março, 2008

TROPA DE ELITE

Há uma denúncia contida no filme Tropa de Elite que obriga a uma reflexão, ou impõe um aplauso ressentido, que se acompanha da necessidade de justificar a extrema violência dos soldados com a idêntica brutalidade dos narcotraficantes. Terrível equívoco.
Isso de que os soldados tenham que ser treinados para o exercício de uma absoluta desumanidade e completa bestialização, encontra seus limites na sensibilidade humana, que prefere examinar o problema gerado pelos narcotraficantes por um ângulo menos comprometido com uma total anulação de tudo o que a civilização acumulou ao longo do tempo. Nota-se que no treinamento da equipe que vai se iniciar na guerra com os narcotraficantes há uma transgressão constante ao respeito humano, uma submissão humilhante, que impõe a anulação da auto-estima e a constante degradação do amor próprio. Para além de todo esse cenário de rebaixamentos há ainda uma constante insinuação de que só é macho quem xinga e maltrata o próximo pela grosseria do linguajar. Tudo isso se disfarça de disciplina militar.
O treinamento da tropa busca semelhança com o conhecido trote a que são submetidos os calouros das diversas faculdades universitárias, mas vai muitíssimo mais longe.
O convívio nos quartéis revela um nível ético de enormes desregramentos. Não só o trato recíproco é grosseiro, como fica bem claro que os que ocupam posições mais elevadas na gerência dos quartéis vivem de achacarem comerciantes e de vender proteções e seguranças. Creio que, em pouco tempo, fica bem evidente que entre a polícia especializada, dita de elite, e os traficantes que ela combate não há grandes diferenças do ponto de vista ético. É uma guerra que existe para salvar aparências, e fazer crer que algo se faz para resolver o problema. A verdade, no entanto, é que o narcotráfico não começa nos morros. É a camada mais rica da população quem se nutre das drogas. O narcotraficante não é mais do que um elo nessa trama social, universalmente expandida.
Os narcotraficantes estão instalados nos morros, onde se aglomeraram as camadas mais pobres da população, sob as vistas das classes sociais abastadas e indiferentes ao sofrimento dos que estão em torno, se não incomodam fisicamente, se não perturbam. É assim desde o início.
Aos políticos que representaram a comunidade desde há muito, cabia terem estado atentos à evolução do processo de ocupação das cidades, de maneira prospectiva. Nem a indolência dos primeiros tempos, nem o atual simulacro de ”guerras santas” vai trazer algum tipo de resolução ao problema do tráfico de drogas. As drogas terão de ser compreendidas no contexto do processo evolutivo da humanidade. E já o deviam ter sido.