24 setembro, 2009

A GULA NOSSA DE CADA DIA

Difícil falar em Gula sem que uma imediata associação à comilanças não se imponha à nossa mente. O campo da Gula, no entanto, é de uma amplitude assustadora. Começa pela gula alimentar que é de fácil observação. Tem uma tradução estética bem conhecida, que se expõe ao olhar de todos na medida em que gera o abdômen proeminente – o barrigão - e se espalha pelo resto do corpo, deformando-o em toda extensão. A Gula contamina a fome e transforma o apetite em voracidade, sem que, de início, a pessoa se aperceba de que já não come só pela fome essencial, necessária à reposição do desgaste calórico de quem está vivo.

O combustível indispensável a essa transformação da fome em Gula, é um desmedido medo inconsciente da morte, de que um grande número de pessoas sofre, sem se dar conta. A ingestão excessiva de alimentos funciona como se fosse uma garantia de reservas inesgotáveis, ainda que o corpo se deforme e perca suas qualidades estéticas.

O guloso se torna assim um escravo do sabor dos alimentos. Com isso, introduz na equação dos exageros quantitativos um fator qualitativo, hedonístico, que acrescenta prazer à demasiada ingestão de substâncias doces ou de paladar requintado.

A Gula contamina também o exercício do poder político, e faz com que os que se elegem para um ou dois períodos eleitorais não suportem se afastar de seus cargos quando seus mandatos chegam ao fim. As ditaduras e os reinados estendem-se por dezenas de anos alternando sucessivas gerações, impostas pelo nepotismo. Os sistemas democráticos, freqüentemente, se vêem às voltas com presidentes eleitos para até dois períodos governamentais, buscando recursos, aparentemente legais, para tornar a se eleger ad infinitum – como é, agora, o caso da Venezuela e de outros países da America Latina. A Gula está em toda a parte contaminando o comportamento humano. Somada ao hedonismo ela propõe prazeres intermináveis e poderes inesgotáveis, como se a condição humana tivesse sempre que se submeter a constantes retrocessos, ditados pelos impulsos dos que não conhecem a saciedade.
As religiões se incumbiram sempre de prometer uma vida post mortem e de gratificar as fantasias humanas dos que sonham com a eternidade.

A Gula parece ser feita da mesma substância de que são feitas as ¨bolhas¨, de que nos falam, atualmente, os economistas que explicam a recente falência imobiliária norte-americana pela ambição desmedida por que se deixaram contaminar os bancos e as empresas imobiliárias.

04 setembro, 2009

DROGADIÇÃO

A criminalização e a descriminalização das drogas não passam de precários recursos de que se servem políticos e legisladores na tentativa de solucionar um problema que, sabem todos, não vai se extinguir nem pela proibição nem pelo consentimento. A proibição de se drogar dá origem à traficância, o que acrescenta maiores dificuldades criminais ao problema. O tácito consentimento, por outro lado, faz cada vez mais crescer o número de drogaditos.

Quando se compreende que proibir ou consentir não dá a estes problemas solução alguma, há que buscar a origem mais remota e tentar penetrar no entendimento de sua essência. Do contrário a própria pesquisa se converte numa droga, isto é, num auto-engano, idêntico ao efeito da droga que se quer combater.

Quando se percebe que o auto-engano é a essência de todas as drogas, logo se vê que, quem se droga não está podendo suportar a vida, tal como ela se apresenta. A droga gera, em quem a ingere, um sentimento de prazer e poder, uma autoconfiança ilimitada.Em poucas palavras: o indivíduo se sente onisciente e onipotente. Esse é o estado que se vai buscar nas “happy hours”, após um dia de trabalho em que cada um tem que se defrontar com os limites determinados pela fragilidade humana.
Esta fragilidade, logo se percebe, é, então, o solo arenoso, pouco firme, da vida de cada um, em grau maior ou menor.

É assim desde as mais remotas eras, quando as religiões surgiram prometendo uma vida melhor depois da morte, uma ressurreição compensadora. Em seguida as ideologias políticas entenderam que a paciência humana também é frágil e anteciparam a realização de uma vida melhor pela conquista de igualdades sociais. Só que isto jamais chegou a bom termo nem com o capitalismo nem com o comunismo.
Agora é a vez das drogas. O consumo mundial destas substâncias parece estar em plena ascensão. Da quantidade de drogas apreendidas, como mostra o noticiário dos jornais e das TVs, pode se deduzir o volume desse tráfico mundial. A preocupação dos políticos de proibir seu consumo ou deixá-lo livre, dá bem uma medida do medo que sentem de que as drogas sejam mais efetivas do que foram suas promessas de criar um mundo realmente melhor e mais seguro antes da morte.

As drogas (incluem-se aí, também, as bebidas alcoólicas) são recursos de longa data. Sabe-se que existem desde o início dos tempos e acompanham os seres humanos desde sempre. Tomam parte nas cerimônias religiosas e jamais deixaram de estar presentes nos banquetes políticos e em todas as celebrações, para lhes dar maior vivacidade. Agora, estão menos tímidas e mais visíveis, ajudadas pela globalização e pela eficácia dos meios de transporte.

O que as faz agora mais temidas é a perceptível e progressiva falência das promessas religiosas e políticas, cujos representantes decepcionam a mais não poder em todas as partes do mundo. Todos os crimes e pecados, que a civilização condena, mostram-se neles, cada vez mais realizados e realizáveis. A pedofilia dos religiosos, a apropriação de dinheiros públicos pelos políticos, e os abusos de poder dos governantes, são matéria de todos os dias no noticiário da imprensa mundial.
A drogadição possibilita a pseudo realização imediata daquilo que as religiões e as ideologias políticas prometem para depois. Seu tempo é o do aqui-e-agora.
A espera pelo céu é longa e problemática; pela igualdade e pela paz social, é problemática e longa. O barato é de aparição muito mais imediata e só depende da dose. O sucesso da drogadição corre paralelo com a rapidez e a velocidade com que queremos que tudo aconteça, sem sofrimento. A vida parece se tornar mais plena quando se pode alcançar tudo, imediatamente. Parece!
É por aí que se chega ao tempo do “fui”: outra aspiração mágica e onipotente.