24 novembro, 2008

O PERDÃO DA KU KLUX KLAN

A eleição de Obama para a presidência dos EEUU está impondo um re-exame do preconceito racial contra os negros, em toda parte. Por menos que se queira entender e por mais que se queira negar, a repercussão foi tal que a Ku Klux Klan, uma entidade declaradamente racista, sentiu necessidade de vir a público dizer que Obama não era exatamente um negro. Seria mais propriamente um branco porque era filho de mãe branca e estudou em Harvard, uma universidade freqüentada predominantemente por brancos. Fica bem claro que, até numa das mais racistas das entidades conhecidas, o conceito de raça ficou facilmente antagonizado e vencido por circunstâncias eventuais, que não modificam a cor da pele, e nem as demais características que definem a negritude.
Do ponto de vista científico, o conceito de raça está muitíssimo desacreditado quando se lhe pretende emprestar o sentido de uma total equalização das capacidades humanas a partir de uma singularidade cutânea ou morfológica. Todos somos, no todo, absolutamente peculiares, por mais que num ou noutro aspecto nos pareçamos.
Todo preconceito racial é, de saída, um pré-conceito. Vale dizer, um pré-julgamento, um juízo que não nasce da experiência de um convívio amadurecido. Mais ainda, é um registro depreciativo, tipicamente maniqueísta.
O bem e o mal – diz a lei de Maní (um pregador Persa do século lll) – não convivem. Embora resulte de uma deficiência crítica do pensamento, o termo sobrevive e ainda se presta a nomeações de uso corrente como, por exemplo, direita e esquerda no plano político e bem e mal no pano ético. Contudo, os seres humanos são ambivalentes, carregam dentro de si, no mínimo, uma polaridade dupla, como já o demonstrou a psicanálise.
Para estar no lado do bem é necessário projetar num grupo, ou em alguém, o mal que tememos possuir... e... possuímos... mas ignoramos, conscientemente.

As recentes declarações da Ku Klux Klan facilitam ver que o que incomoda os racistas não é, verdadeiramente, a cor da pele, nem a forma do nariz, nem o tipo de cabelo, mas qualidade dos mitos e dos ritos (a cultura) que o outro traz dentro de si.
É a isto que, certamente, corresponde aquele tipo de perdão que se exprime na frase: “ele é um preto de alma branca”. Aqui o significado da palavra alma, secretamente, nomeia e absolve da degradação racial a referência explícita à cor da pele.
O racismo, pode-se perceber, é uma projeção que veicula uma concepção maniqueísta do mundo, segundo a qual, para estar do lado do bem devo lançar no outro aquilo que o coloca do lado do mal. E, depois, matá-lo ou deixá-lo morrer.

17 novembro, 2008

A DEPRESSÃO FINANCEIRA E SUAS RAÍZES EMOCIONAIS

É pouco provável, por agora, ligar a TV e não ter que assistir a uma entrevista com algum economista empenhado na explicação da crise financeira que, passo a passo, se espraia pelos demais paises do mundo e vai gradualmente envolvendo a todos ou quase todos numa situação depressiva. Como todos os esclarecimentos esbarram na fronteira econômico-financeira, nada se esclarece com um pouco mais de profundidade. Sobra, então, o recurso de recordar a crise depressiva de 1929 com a esperança de que a atual também vá passar, ainda que não se saiba quando. Deve demorar - dizem todos.

Percebe-se que uma desconfiança básica determina, no momento, uma restrição a novos investimentos. Mais do que isso, pouco se sabe. O medo pesa mais que a esperança. O que verdadeiramente se teme, e nem sempre se sabe, conscientemente, é que a confiança passa a ser sentida, no momento, como um risco inaceitável. Contudo, o problema não reside na confiança em si mesma, mas na sua ampliação desmedida, que terminou por transformá-la em certeza absoluta, como acaba de ocorrer. Em outras palavras a confiança ganhou qualidades onipotentes, aparentemente intrínsecas.
É deste estado de mente que resultou a certeza absoluta de que tudo o que se queria, e em que se apostava, ia dar certo. Foi daí que resultaram empréstimos de embasamento precário, que terminaram por se converter numa sucessão de falências, como acaba de acontecer nos Estados Unidos, submetidos ao efeito dominó. A globalização amplia o episódio.
A este tipo de desempenho dominado por certezas onipotentes é que se dá o nome de estado maníaco.

Dominada pelo estado maníaco a mente se sente dona de certezas absolutas, contagiantes. Isto é o que dá lugar ao aparecimento de quadros maníaco/depressivos, cuja
durabilidade e extensão podem levar à Psicose Maníaco/Depressiva, como acontece, também, fora do campo econômico financeiro.

A elaboração do quadro depressivo a que ficam submetidos todos os que chegam até aí, depende de que possam reconhecer os pródromos da instalação do quadro maníaco a que estão expostos todos os investidores, na ânsia de se tornarem poderosos e inatingíveis, ao lidarem com o dinheiro ou com outras situações tidas por capazes de garantirem segurança e poder absolutos.

A percepção precoce de esperanças maníacas ajuda a deter a avalanche de certezas onipotentes e afasta a subseqüente derrocada depressiva, inevitável e de longa duração.

Como a loucura tem um poder de contágio maior do que se suspeita, é grande a disseminação do chamado “bom negócio”, que desta vez se localizou no campo imobiliário. Começou aí.
Há que saber distinguir a esperança das certezas maníacas, tão precocemente quanto possível.