17 outubro, 2006

MAIS/OU/MENOSCRACIA

Quando o execício democrático chega ao estágio em que agora se encontra entre nós, às vésperas de um segundo turno marcado por todo tipo de abusos e transgressões – há sempre alguém que se lembra de dizer que a democracia, com a qual estão todos decepcionados, é ainda o menos ruim dos governos que até hoje se criou.
– "É melhor do que qualquer forma de ditadura", diz alguém – e disso não se duvida.
Mas não faz sentido parar por aí, sem querer pensar em coisa melhor. Nosso papo, entre bocejos, chegava ao seu fim quando, “pálido de espanto”, vi que alguém se levantava e erguia consigo uma proposta:
– "VAMOS BRINDAR AO MAIS OU MENOS!"
Foi um espanto! Nós estávamos ali há mais de três horas descobrindo as mentiras com as quais cada candidato se apresentava ao eleitorado, escondendo com toda habilidade seus pecados por trás de uma máscara de honestidade e patriotismo. Poucos anos depois, às vezes menos, sua ambição de poder leva-o a todo tipo de falcatruas, que em pouco tempo ganham domínio público. Cada partido descobre as podridões do outro e arma suas campanhas eleitorais na denuncia do outro, que , por sua vez, lhe dá um troco igual. É assim em todas as eleições. Surgem novos protagonistas, mas o cenário é igual. A liberdade da denúncia, garantida pela democracia, não acaba com as falcatruas, nem com os roubos de todas as espécies, e nem com o reinício subseqüente das denúncias.
–"Há que ser verdadeiro, tanto quanto isso é possível", diz alguém no grupo.
– "E o limite dessa possibilidade é da ordem do mais ou menos (+/-)", responde o propositor da tese.
A precariedade humana, seu sentimento inato de desabrigo, sua fragilidade, obriga-o a buscar uma segurança possível. Da insegurança básica ninguém escapa. Assim, não sendo grande, o roubo pode ser tolerado. Até porque não há como evitá-lo.
Pode-se, isto sim, cuidar de que ele não passe do "+/-". O que arrebenta a estabilidade do país é a gatunagem colossal. A “+/- cracia” dispensa a ambição de pureza que todos alardeiam até ganhar as eleições. Se não saírem da faixa do "+/-", há lugar para todos.
Ademais, na faixa do "+/-" quem nunca roubou ou mentiu? Quem nunca enganou ou traiu?
O que parecia um discurso tolo começou a se apresentar como "+/-" convincente. A tese do discurso contaminou o próprio discurso. Alguém, "+/-" animado, acrescentou que a categoria do "+/-" tirava a força do maniqueísmo e punha fim a essa interminável disputa entre o comunismo e o capitalismo: ambos eram "+/-" bons.
O papo ganhou interesse e se esticou por um bom tempo.
Resolvi registrar neste meu Blog o possível início de uma nova era: a era do "+/-". A "+ ou cracía” pode ser menos ruim do que o menos ruim dos sistemas sociais: a democracia. E pode se estender dispensando as santidades e as sinceridades excessivas, que não passam de mentiras pretensiosas ou de virgindades fajutas.
O fim do papo, que não vou dizer onde se deu, foi razoavelmente alegre. A embriagues do "+/-" deu lugar a uma despedida menos desgraçada que a do desencanto com o pior dos sistemas que costumamos aplaudir: a democracia, sempre acompanhada do seu apelo maniqueísta, mais visível na época das eleições, onde os "puros" da campanha anterior já estão no lixo. E foram para o lixo por não terem sabido ser "+/-" ladrões ou mentirosos. Parece que falta ao ser humano uma moderação básica. Seremos capazes de criá-la, ou isso que está aí vai ter que ficar para sempre?