A INÉRCIA DOS MITOS

A história da inércia como conceito terminou por se impor com Jean Buridan, um filosofo e religioso francês, que viveu entre 1300 e 1358 e primeiro criou a teoria do ímpeto para se referir à força que promove a propulsão de um corpo que se desloca no espaço. A teoria do ímpeto abriu caminho para Galileu elaborar o conceito de inércia no campo da física, baseado em noções dinâmicas. A inércia de um corpo não significa sua imobilidade. É antes um estado em que se encontra, fluindo no espaço, até que seu ímpeto, sua força de propulsão se esgota. É uma inércia de movimento em que o ímpeto vai gradualmente perdendo seu poder de propulsão. A inércia não é o inerte, o imóvel.

A teoria da inércia ganhou definição matemática no campo das ciências naturais e pleno reconhecimento no cotidiano. Quem viaja em pé, num ônibus, sabe, ainda que de maneira não refletida, o que é uma freada inesperada. É a inércia que o derruba.

A meu ver o curso da história humana também se presta a uma interpretação que leve em conta o conceito de inércia, ainda que não seja possível matematizá-lo.

A moda, por exemplo, vive de uma inércia que sustenta sua duração pelo tempo das estações climáticas. Cada verão e cada inverno impõe um novo estilo ao vestuário humano. No mundo dos automóveis a inércia de um modelo se sustenta pelo período de um ano. Há inércias que se estendem por longos períodos, como costuma ocorrer com o estilo das produções literárias e musicais.
Determinadas ¨teorias científicas¨ tem sua longa sustentação inercial, seu ímpeto, garantido por mitos que, de repente perdem sua persuasão inicial frente à emergência de novos descobrimentos, como aconteceu com o Criacionismo das religiões, que cedeu lugar ao Evolucionismo de Darwin.
O mesmo se passou com o Geocentrismo de Copérnico quando Galileu provou que era a Terra que girava em torno do Sol.
Sabe-se que o salto do Geocentrismo para o Heliocentrismo não foi nada fácil. A Giordano Bruno custou a vida e a Galileu, quase. A Einstein a validação da Relatividade custou-lhe uma longa descrença e a Freud, os conceitos de Sexualidade Infantil, Inconsciente Dinâmico e Transferência, ainda custam.

Não se pode subestimar o poder inercial dos mitos, vale dizer das crenças e das crendices a que há mais de 6.000 anos estamos submetidos. Os mitos são o poder de propulsão das inércias históricas, o seu combustível essencial, seu ímpeto.

Mitos são fantasias com as quais queremos fugir da ignorância básica que cerca nossa existência: seu início, seu meio e seu fim.
É neste sentido que podemos dizer que todas as religiões são mitos defensivos. A inércia que os sustenta é do tamanho do medo que os criou e alimenta. Os mitos invadem todas as áreas da vida e do convívio humano, desde as estórias infantis até as solenes e tolas representações, adultas e pré-senís, como por exemplo, do desfile da ¨corôa britânica”, que acabo de assistir na TV.
Invadem também, e são a essência dos rituais encenados por todas as religiões, que exploram o medo da morte com as promessas de eternidade, ressurreição e gozos paradisíacos para todos os gostos.

Ou nos familiarizamos com esse medo primeiro e fundamental e aprendemos a conviver com a perplexidade intrínseca à condição humana ou vamos nos extinguir em guerras, promovidas pelos monoteísmos; ou nos distrair com campeonatos esportivos que mal passam de eufemização das guerras; ou ainda nos conformarmos com desfiles de modas, onde se aplaude o conteúdo pelo continente.