10 setembro, 2010

POR QUÊ E PARA QUÊ

São vários os aspectos do comportamento humano atual que é necessário reunir para chegar a certas conclusões indigestas no que tange a um futuro, relativamente próximo ou distante mas suficientemente aterrador para ser posto de lado. Ao movimento giratório e incessante do planeta que habitamos há que se somar sempre aquela espécie de caminhada ao longo do tempo a que chamamos de civilização.

É evidente que não se pode pretender já termos chegado ao fim do processo evolutivo quando a história da civilização, repetidamente ensinada na maioria dos colégios, não aponta para isso. O futuro segue sendo uma preocupação constante. Alem de não pretendermos que o que tinha de ser alcançado já o foi, sentimo-nos carentes de algo que nos dê satisfação constante dentro da vida, e justifique termos nascido sem sabermos por quê e nem para quê.

É bem visível que quem não suportou e nem suporta este ponto de interrogação multimilenar - jamais respondido - adotou um destes mitos igualmente milenares a que se dá o nome de religião. São estórias narradas de muitíssimas maneiras. Todas se baseiam em crendices parecidas, nascidas da fantasia humana e adotadas pelos que não suportam saber tão pouco tanto de seu passado quanto de seu futuro. Fazem-no desde muito cedo, guiados pelos pais e professores. Todas as estórias religiosas prometem um futuro post-mortem e dispensam maiores investigações. Mesmo assim a curiosidade humana não se extingue e sai em busca de pesquisas assentadas na comprovação sensorial, como o fazem as ciências.

As religiões e as ciências não se excluem e nem se completam, necessariamente. Às vezes até se toleram.

Tudo estaria bem se a angustia humana pudesse acreditar que a ciência vai chegar lá, ou que a crença nas religiões já não deixassem mais dúvidas ao responder àquelas perguntas já referidas: o por quê e o para quê da existência.
Uma vez que não se responde adequadamente a estas indagações básicas, o que mais proximamente vem ao encontro da angustia humana é um estado de mente regido pela busca do prazer e do poder, determinados por todas as formas de competição ou pela busca de gratificações hedonísticas, que dão uma solução temporária – e se repetem interminavelmente.É um escape, um estado de satisfação que gera uma situação de completude parecida ao que se espera das respostas desejadas. Mas é um prazer que não tem durabilidade e requer a ingestão interminável de novas doses de compras, sexo, poder político, viagens etc.

O aumento da drogadição, nos dias de hoje, é um fenômeno de enorme incremento que também tenta dar solução à demanda hedonística. Pelo que se sabe das apreensões feitas pela polícia de drogas contrabandeadas, pode-se deduzir o volume que passa e sustenta o comercio alimentador do vício.Ao fenômeno da drogadição soma-se agora o da narcotraficância, um comércio proibido, de dificílima extinção. A liberação do comércio das drogas não promete a resolução do problema central, cuja origem não é de fácil entendimento.

Se não se descobre uma resposta ao por quê e para quê de nossas existências nos entregaramos a qualquer solução alternativa – como de resto, já o fazemos. As atividades esportivas (que implicam numa vitória) e o hedonismo drogaditivo (que reasseguram a manutenção do prazer) são aspectos dessa falsificação a que nos entregamos. No entanto, isso é o que nos conduzirá a um interminável equívoco, e nos levará ao inexorável fim desta experiência inexplicável, que consiste em viver.

06 janeiro, 2010

O TOMBO DO PAPA

A meu ver, não basta explicar a queda que o Papa levou pelo fato de uma mulher tresloucada se lançar sobre ele, jogando-o ao chão – no momento em que se dirigia ao microfone para proferir o clássico discurso daquela noite, o URBI ET ORBI . É preciso ir mais longe.
Tratava-se da mesma mulher que, no ano anterior, havia tentado fazer algo semelhante, sem o sucesso de agora. A insistência do gesto faz crer que era movida por uma intenção definida, mesmo que não consciente. Ainda que se diga que era uma mulher que sofria de perturbações mentais, talvez valesse à pena, nesse contexto, relembrar que a loucura tem seus desígnios – como disse Shakespeare, em uma de suas peças magistrais, pela boca de Polônio: “apesar de ser loucura, revela método”.
Admitamos que assim o seja, para ver onde nos leva o raciocínio da possível existência de um vínculo entre a celebração no nascimento de Jesus e a exclusão do Papa (o tombo) – tentada por aquela tresloucada, que insistia em dar ao Sumo Pontífice um tratamento idêntico ao que foi dado à figura da mulher, no texto religioso católico, que compara a família humana à da Santíssima Trindade, feita de “Pai, Filho e Espírito Santo”. A mulher, como se vê aí, está excluída. Tombada.
A exclusão da mulher nas três mais conhecidas culturas religiosas dos nossos tempos é de fácil verificação. No Islamismo a instituição da Burca é de conhecimento universal. No judaísmo religioso, as mulheres, até do aperto de mão social são excluídas.
Hoje dispomos de um conceito bem mais esclarecido para nomear esses comportamentos, que tem um disfarce religioso, mas não passam de Machismo.
O processo evolutivo, agora subsidiado pela globalização, abre caminhos para maiores integrações da mulher no avanço da civilização. Mas ainda não consegue impedir, em alguns casos, a cobrança mais violenta, como a desta mulher tresloucada.

21 dezembro, 2009

A UNIVERSIDADE E A MINISSAIA

O episódio da reação ao vestuário de uma aluna, que usava uma minissaia cor de rosa, dessas que estamos todos acostumados a ver, pelas ruas das cidades de hábitos ocidentais, teve extensa repercussão nos jornais. Dava para ver, de saída, a absurda intolerância, gerada no pátio de uma universidade, freqüentada por gente jovem, acostumada aos trajes das mulheres do nosso tempo. O vestuário feminino – todos o sabemos por observação direta – é cada vez mais ousado e excitante. As mulheres, de um modo geral, parecem mesmo empenhadas numa certa provocação erótica, que, atualmente, é amplamente “consentida” pela população masculina das grandes cidades. Aparentemente sem problemas.

O semi-desnudamento da mulher dos dias de hoje já não motiva respostas violentas e brutais, que terminaram por instituir aquele vestuário oriental (a burca) que ainda as cobre dos pés à cabeça nos países regidos pela cultura muçulmana. Nos tempos bíblicos mulheres suspeitas de algum comportamento sedutor eram facilmente apedrejadas em praça pública.

Não é preciso descer a grandes profundidades psicológicas para entender que a imposição da burca foi sempre uma determinação do machismo dos primeiros tempos, que ainda subsiste em todas as civilizações, com diferentes expressões. O machismo sempre se aproveitou da fragilidade feminina, própria do período da reprodução e da criação imediata dos filhos, para assumir um domínio total sobre o comportamento das mulheres, que os homens escravizavam à sua volta, dentro de casa. Mas, não se trata de um domínio qualquer. É antes, e acima de tudo, um tornar-se proprietário, dono da sexualidade feminina, para poder mitigar a inveja inconsciente que o atormenta. O homem não suporta precisar tanto do que ele muito gosta, mas não tem. Não faz parte de seu corpo.

Há inúmeras outras expressões desta mesma inveja que se traduzem pela desvalorização da inteligência da mulher e pela retribuição salarial menor do trabalho feminino. Todas estas variadas imposições vão, cada vez mais, ganhando menor validade e aceitação. Há, hoje, uma progressiva expansão do reconhecimento das capacidades femininas em todos os campos: profissional, intelectual, político esportivo e artístico.

Contudo, há também momentos regressivos. As agressões à moça da minissaia cor de rosa é um deles. Isto quer dizer que o machismo não está definitivamente vencido e que pode fazer inesperadas aparições até em ambientes universitários, onde menos se poderia esperar que fosse expor suas garras. Nem tudo que é atual é necessariamente novo.

24 setembro, 2009

A GULA NOSSA DE CADA DIA

Difícil falar em Gula sem que uma imediata associação à comilanças não se imponha à nossa mente. O campo da Gula, no entanto, é de uma amplitude assustadora. Começa pela gula alimentar que é de fácil observação. Tem uma tradução estética bem conhecida, que se expõe ao olhar de todos na medida em que gera o abdômen proeminente – o barrigão - e se espalha pelo resto do corpo, deformando-o em toda extensão. A Gula contamina a fome e transforma o apetite em voracidade, sem que, de início, a pessoa se aperceba de que já não come só pela fome essencial, necessária à reposição do desgaste calórico de quem está vivo.

O combustível indispensável a essa transformação da fome em Gula, é um desmedido medo inconsciente da morte, de que um grande número de pessoas sofre, sem se dar conta. A ingestão excessiva de alimentos funciona como se fosse uma garantia de reservas inesgotáveis, ainda que o corpo se deforme e perca suas qualidades estéticas.

O guloso se torna assim um escravo do sabor dos alimentos. Com isso, introduz na equação dos exageros quantitativos um fator qualitativo, hedonístico, que acrescenta prazer à demasiada ingestão de substâncias doces ou de paladar requintado.

A Gula contamina também o exercício do poder político, e faz com que os que se elegem para um ou dois períodos eleitorais não suportem se afastar de seus cargos quando seus mandatos chegam ao fim. As ditaduras e os reinados estendem-se por dezenas de anos alternando sucessivas gerações, impostas pelo nepotismo. Os sistemas democráticos, freqüentemente, se vêem às voltas com presidentes eleitos para até dois períodos governamentais, buscando recursos, aparentemente legais, para tornar a se eleger ad infinitum – como é, agora, o caso da Venezuela e de outros países da America Latina. A Gula está em toda a parte contaminando o comportamento humano. Somada ao hedonismo ela propõe prazeres intermináveis e poderes inesgotáveis, como se a condição humana tivesse sempre que se submeter a constantes retrocessos, ditados pelos impulsos dos que não conhecem a saciedade.
As religiões se incumbiram sempre de prometer uma vida post mortem e de gratificar as fantasias humanas dos que sonham com a eternidade.

A Gula parece ser feita da mesma substância de que são feitas as ¨bolhas¨, de que nos falam, atualmente, os economistas que explicam a recente falência imobiliária norte-americana pela ambição desmedida por que se deixaram contaminar os bancos e as empresas imobiliárias.

04 setembro, 2009

DROGADIÇÃO

A criminalização e a descriminalização das drogas não passam de precários recursos de que se servem políticos e legisladores na tentativa de solucionar um problema que, sabem todos, não vai se extinguir nem pela proibição nem pelo consentimento. A proibição de se drogar dá origem à traficância, o que acrescenta maiores dificuldades criminais ao problema. O tácito consentimento, por outro lado, faz cada vez mais crescer o número de drogaditos.

Quando se compreende que proibir ou consentir não dá a estes problemas solução alguma, há que buscar a origem mais remota e tentar penetrar no entendimento de sua essência. Do contrário a própria pesquisa se converte numa droga, isto é, num auto-engano, idêntico ao efeito da droga que se quer combater.

Quando se percebe que o auto-engano é a essência de todas as drogas, logo se vê que, quem se droga não está podendo suportar a vida, tal como ela se apresenta. A droga gera, em quem a ingere, um sentimento de prazer e poder, uma autoconfiança ilimitada.Em poucas palavras: o indivíduo se sente onisciente e onipotente. Esse é o estado que se vai buscar nas “happy hours”, após um dia de trabalho em que cada um tem que se defrontar com os limites determinados pela fragilidade humana.
Esta fragilidade, logo se percebe, é, então, o solo arenoso, pouco firme, da vida de cada um, em grau maior ou menor.

É assim desde as mais remotas eras, quando as religiões surgiram prometendo uma vida melhor depois da morte, uma ressurreição compensadora. Em seguida as ideologias políticas entenderam que a paciência humana também é frágil e anteciparam a realização de uma vida melhor pela conquista de igualdades sociais. Só que isto jamais chegou a bom termo nem com o capitalismo nem com o comunismo.
Agora é a vez das drogas. O consumo mundial destas substâncias parece estar em plena ascensão. Da quantidade de drogas apreendidas, como mostra o noticiário dos jornais e das TVs, pode se deduzir o volume desse tráfico mundial. A preocupação dos políticos de proibir seu consumo ou deixá-lo livre, dá bem uma medida do medo que sentem de que as drogas sejam mais efetivas do que foram suas promessas de criar um mundo realmente melhor e mais seguro antes da morte.

As drogas (incluem-se aí, também, as bebidas alcoólicas) são recursos de longa data. Sabe-se que existem desde o início dos tempos e acompanham os seres humanos desde sempre. Tomam parte nas cerimônias religiosas e jamais deixaram de estar presentes nos banquetes políticos e em todas as celebrações, para lhes dar maior vivacidade. Agora, estão menos tímidas e mais visíveis, ajudadas pela globalização e pela eficácia dos meios de transporte.

O que as faz agora mais temidas é a perceptível e progressiva falência das promessas religiosas e políticas, cujos representantes decepcionam a mais não poder em todas as partes do mundo. Todos os crimes e pecados, que a civilização condena, mostram-se neles, cada vez mais realizados e realizáveis. A pedofilia dos religiosos, a apropriação de dinheiros públicos pelos políticos, e os abusos de poder dos governantes, são matéria de todos os dias no noticiário da imprensa mundial.
A drogadição possibilita a pseudo realização imediata daquilo que as religiões e as ideologias políticas prometem para depois. Seu tempo é o do aqui-e-agora.
A espera pelo céu é longa e problemática; pela igualdade e pela paz social, é problemática e longa. O barato é de aparição muito mais imediata e só depende da dose. O sucesso da drogadição corre paralelo com a rapidez e a velocidade com que queremos que tudo aconteça, sem sofrimento. A vida parece se tornar mais plena quando se pode alcançar tudo, imediatamente. Parece!
É por aí que se chega ao tempo do “fui”: outra aspiração mágica e onipotente.

08 maio, 2009

CORRRUPÇÃO

A ‘farra das passagens’ é didática. Ensina, claramente, como é que a coisa se dá e porque se dá. A corrupção dos homens públicos só começa depois que eles ocupam as posições de poder, para as quais foram eleitos. Seus discursos pré-eleitorais são feitos de promessas e de denúncias das corrupções alheias nas quais não estão metidos e até poderiam jurar que não se meteriam. Corrupção tem seu timing e sua chegança própria.
É preciso já estar ocupando o poder e estar diante de um obstáculo de qualquer natureza que representa um limite ao poder de que cada homem se quer investido. Basta que a lei não o proíba explicitamente da transgressão, pela qual se sente tentado, para que se sinta livre para o salto da corrupção, a que logo se entrega em estado de pureza ou cercado de argumentos ‘convincentes’, que na verdade não passam de racionalizações auto-defensivas.
A corrupção começa na mente e é um jogo sutil de permissões que reforça o sentimento de poder, gratifica a auto-estima e bloqueia a autocrítica. A sedução pelo poder está em toda parte e nasce da intolerância à fragilidade intrínseca à condição humana. Embora esteja em toda parte é mais facilmente visível nos políticos, nos quais está sempre se pondo à mostra uma vez que a vocação política está sempre em busca do poder e da visibilidade absoluta. A corrupção muitas vezes não passa de um jogo de sutilezas verbais, facilmente reconhecíveis quando se está atento para esse tipo de falsa inocência, como a daquele deputado que disse não ter sido avisado de que não poderia pagar passagens para terceiros.
Contudo, crer que a corrupção só alcança quem está no poder implica no risco de estar se deixando corromper pela fácil isenção do auto-engano, que é capaz de todos os disfarces. Na verdade, a corrupção tem mil faces.

02 dezembro, 2008

QUE É O TERRORISMO

É um velho equívoco esse de crer que tudo o que nomeamos, conhecemos com extensão e profundidade. Sempre que nos defrontamos com algo que desconhecemos basta-nos, na maioria das vezes, querer saber o seu nome e para que serve. Esse conhecimento superficial é o que se difunde e nos dá uma falsa impressão de que já sabemos, quando não fizemos mais do que catalogar o nome e a função de algo com que acabamos de nos defrontar e guardar na memória.
Quem quer ir mais fundo tem que se obrigar a maiores indagações, tipo: onde nasce e que usos fazemos daquilo que acabamos de nomear e arquivar na mente?

Não há quem não tenha passado por uma experiência de terror, e não tenha tido que lidar com ela, de alguma forma.
Ao nascer, todos nós passamos pela ameaça da morte, mesmo quando tudo, no final, dá certo. O nascimento, sabe-se, é um trauma, uma súbita e penosa interrupção de um longo período de conforto térmico e alimentar, durante o qual nem respirar é preciso.
Foi Otto Rank, um discípulo de Freud, quem cunhou a expressão Trauma do Nascimento. Esse trauma interrompe a comunhão original, que se deixa atropelar pelas contrações do parto. Em grau maior ou menor, passa-se depois, o resto da vida, ansiando recuperar, de múltiplas formas, em nossos relacionamentos, aquele estado unitário em que éramos um e dois simultaneamente.

É para esse estado de “terror sem nome”, soterrado no inconsciente, na linguagem do psicanalista Wilfred Bion, que nos lançam os terroristas, valendo-se da imprevisibilidade de seus ataques, de cuja revanche nem fazem muita questão de escapar. Querem mais é livrar-se das angústias do “terror sem nome”– um estado mental que precede a capacidade simbólica do recém nascido. É, pois, um estado mental incômodo e inominável. Mesmo que isso lhes custe o preço da vida, estão certos de que ela lhes será automaticamente devolvida, como rezam as promessas religiosas, de cunho hedonístico: 70.000 virgens os aguardam no céu.

Suas justificativas políticas não passam de uma racionalização, um salvo conduto, um mecanismo defensivo, que lhes facilita a aceitação dos encargos políticos, banhados no heroísmo das incumbências militares, absolutamente suicidas. Sonham ainda com a glorificação e o prêmio, em dinheiro, que deixarão para a família.
Os terroristas destas incursões são sempre pessoas jovens, que não só esperam essa ressurreição prometida por seus instrutores religiosos, como sentem, ainda necessidade de projetar para dentro de outras pessoas (os inimigos) a angustia do “terror sem nome” que os acossa desde cedo e os torna irrequietos e infelizes, quando crianças. Seus instrutores sabem reconhece-los, direciona-los e seduzi-los para o heroísmo mortal que os aguarda no desempenho de sua estupidez consentida– como no recente ataque a Bombaim.