03 dezembro, 2007

A IMORTALIDADE DOS MITOS

Este é, talvez, um momento muitíssimo adequado ao exame desta questão da imortalidade dos mitos, de que muito se fala, e pouco se investiga. Mitos são crenças, fantasias – todos o sabemos. É fácil reconhecê-los quando se lhes dá o nome de “contos infantis”, a cuja narrativa as crianças ficam atentas e lhes dão credulidade total, típica do período de duração da infância. Depois, o amadurecimento emocional vai reprimindo a formulação mítica do pensamento, progressivamente substituída pela racionalidade das formulações adultas.

No entanto a repressão dos “contos da carochinha” não é tão integral quanto se pretende, e nem a capacidade mitopoética do ser humano se extingue.

As transformações sociais pelas quais a humanidade vem passando caminham na direção de se criarem regimes sociais que transitam das monarquias para as democracias, com as quais se pretende dar a cada cidadão o direito de voto e de eleição de uma organização política exeqüível ao livre exercício dessas práticas.

As monarquias eram exercidas por pessoas que se atribuíam ascendência divina, tolamente garantida pela cor azul de seu sangue. Esse era o mito que lhes garantia o reinado, a permanência eterna no posto e o poder absoluto. E todos criam.

A que se pode agora, no momento atual, atribuir os sonhos absolutistas de Chávez, que quer ser interminavelmente eleito e aspira aos mesmos poderes míticos de um rei, usando o nome do “Deus Bolívar” e o “sangue azul” do petróleo para justificar sua permanência eterna no poder?

Os mitos de uma volta à monarquia ganham novas roupagens e coloridos disfarces, que se pode perceber na Argentina, com a eleição continuista da esposa do ex-presidente e com arrepios na Colômbia, no Peru e no Brasil, onde Lula, todo dia jura que não quer. Na Rússia, Putin já foi bem claro.

O mito da eternidade no poder ganha no momento claras expressões, disfarçado de democracia – a que nitidamente atraiçoa. Aqui se vê, claramente, que o “retorno do reprimido” denuncia uma falsa resolução do que se pretende solucionar. Os mitos retornam por não terem jamais deixado de existir, ainda que reprimidos. As ideologias políticas carregam no seu bojo a mitologia ancestral que pensavam ter eliminado.

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Caro Zusman,
lendo seu artigo fiquei me questionando se a dura realidade que se apresentou a tão sonhada democracia não teria sido ainda mais decisiva nesse processo de retorno do mito. Não teríamos idealizado demais nosso desenvolvimento político a ponto de regredirmos? E quando se trata de poder quase tudo pode ser usado para legitimar-se. Sendo assim, como separar a vontade de enxergar uma solução tentadora da análise crítica e real dos acontecimentos políticos? Desde de já agradecendo o diálogo enriquecedor.
Claudiane Torres

1:29 PM  
Blogger Zusman said...

Prezada Claudiane,
Acho seu questionamento muito bem fundamentado. A idealização pode perfeitamente ser responsabilizada pela falência dos processos que adotamos. As reformas, então, não passam de novos mitos aos quais damos um nome pomposo: ideologias.
A fome de poder do ser humano fica disfarçada, mas, pouco depois pode ser descoberta, embora isto não leve longe porque os reformistas encobrem suas falhas pessoais e a de seus projetos. É assim que as reformas sociais acabam por não passar de uma troca de mitos, que se sustentam na credibilidade humana e na projeção maniqueísta de seus problemas sobre grupos rivais.
O problema poderia se resolver se os seres humanos tomassem uma consciência sustentada de sua fome constante de prazer e de poder e de seu horror às fragilidades humanas, comuns a todos. Caso isto não se dê, a vida vai ficar sendo uma tentativa interminável de soluções hedonísticas, onipotêntes e onisciêntes, características que contaminam e estruturam a personalidade dos humanos em geral e dos políticos em particular.
Grato por sua visita.

9:18 AM  

Postar um comentário

<< Home