06 fevereiro, 2007

AS CRIANÇAS DESCEREBRADAS E A EUTANÁSIA

A imprensa vem ultimamente insistindo no drama das crianças que nascem descerebradas, e no sofrimento de suas famílias, que é bem maior que o das crianças. Afinal, quem nasce descerebrado não sabe ao que está exposto pelo tempo que sobrevive, que, em geral, é curto. Ele não tem consciência de nada.

O peso da situação recai sobre sua família, que não sabe o que fazer e fica desesperada, já que não há recurso médico capaz de sanar a situação. Tudo que a medicina pode fazer é prolongar a vida do descerebrado por um tempo imprevisível, que algumas vezes se faz longo, como no caso da menina Ashley, que já vive ha 9 anos, nos EEUU, e cujos pais resolveram “congelar” o crescimento da filha e retirar-lhe, cirurgicamente, o útero e os ovários. A alimentação é dada por uma sonda. Para que não cresça injetam-lhe hormônios. Tudo isso para torná-la mais portátil e não se reproduzir. Assim poderão cuidar dela por tempo indeterminado. Estão convencidos de que deste jeito poderão lhe dedicar todo amor que lhe têm, e que estão preparados para lhe dar pelo resto da vida.

Aparentemente tudo é muito nobre, piedoso e profundamente amoroso. Só que esta é uma leitura superficial da extensão deste drama humano que colheu aqueles pais, submetidos a mitos religiosos, que apregoam a obediência cega aos caprichos de um Deus, cujos propósitos, numa circunstância destas, ninguém entende e nem advinha.

É evidente, no entanto, que os pais de crianças assim nascidas, passam a sofrer da Síndrome de Stocolmo, nome que mais modernamente se dá a um tipo de submissão, aparentemente amorosa, que o torturado sente pelo torturador.

Hoje, esta expressão, criada para qualificar o comportamento de pessoas submetidas a um seqüestro, ganhou maior expansão e se presta, a meu ver, até para nomear os religiosos de todos os credos, que vivem temendo a Deus, ao qual devotamente se submetem, na ânsia de se livrar das catástrofes imprevisíveis a que episodicamente ficam expostas populações inteiras do nosso planeta, desde o início dos tempos. Todos nós temos notícias de dilúvios, terremotos, erupções vulcânicas e tsunamis, de que a própria bíblia nos dá notícia.

O medo de passar pelo sofrimento da perda do filho/a anencéfalo, pelo luto da gestação desastrada, contribui para que muitos pais levem tão longe quanto podem o desfecho fatal de uma tragédia, muitas vezes prevista durante a gravidez. Ao medo do sofrimento pela perda de uma criança inviável, pelo recurso à eutanásia, soma-se ainda o temor de ser castigado pela mesma crueldade dos deuses que liberaram a concepção e o nascimento de uma criança anencéfala. Para além do temor aos deuses, há também o receio de um super-ego (consciência moral) inclemente, coisa que não é fácil suportar. O super-ego cruel, que muitos carregam dentro de si, representa na mente, idêntica crueldade atribuída aos deuses, tidos por autores dos acidentes e incidentes cruéis pelos quais seres humanos se sentem castigados. Não está em pauta a existência de deuses bons ou maus, menos ainda a de sua própria existência, que pode não passar de uma invenção humana, segundo alguns. Trata-se, na verdade, da necessidade de rever conceitos milenares – ou ignorâncias cristalizadas – ao longo dos séculos na mente humana.

1 Comments:

Blogger Sujeito Oculto said...

Caro Zusman,
agrada-me muito vê-lo escrevendo aqui novamente. Quanto à Síndrome de Estocolmo, já expressei o mesmo pensamento numa crônica passada.

Discordo de apenas um ponto em seu texto: não acho que se aplica o termo eutanásia, visto que uma vez constatada a anencefalia do feto, ele deveria ser abortado. Em minha opinião, a retirada de um embrião ou feto é a mera interrupção da gravidez.

Quanto à família que optou por torturar a menina a deixá-la morrer, sou da opinião de que a morte é necessariamente uma parte da vida, enquanto "viver" desta forma é um fardo terrível e desnecessário. Digo para os pais. Sou a favor da legalização do aborto, da ortotanásia e, em muitos casos, da eutanásia e do suicídio assistido. Porque nem sempre o melhor que um médico pode fazer é prolongar uma vida – ou melhor, retardar a morte – indefinidamente. Algumas pessoas preferem morrer com dignidade.

1:32 PM  

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