ESPORTES E GUERRAS
(a cabeçada do Zidane)
Tanto quanto sabemos os primeiros tempos deixaram marcas históricas, das quais se pode deduzir, que começamos pela barbárie. Só pouco a pouco é que nos fomos civilizando, mas o ritmo deste progresso é desigual em diferentes povos. Ademais, há avanços e retrocessos. A civilização ainda é uma camada fina de um verniz, que em momentos difíceis se perde. O comportamento das crianças em seus primeiros anos de vida é típico da barbárie, dominado pelo egoísmo. A educação doméstica é que as civiliza; a escola dá seqüência ao processo da civilização, e promove também a instrução básica, a especialização profissional e científica, a produção artística e literária. Os esportes, que hoje também fazem parte do processo civilizatório, procuram dar vazão e atenuação à belicosidade humana. Não há como por fim - e nem mesmo se sabe se é possível acabar com as guerras e com a destrutividade instintiva. A atividade esportiva deixa bem patente o esforço de atenuar os embates guerreiros, submetendo todos os lances de uma partida - uma batalha, poder-se-ia dizer - a regras aceitas e combinadas pelos contendores e fiscalizadas por um juiz. Nos esportes de ringue como o Box, Jiu-Jitsu e a Luta Livre, é bem visível o propósito de liquidar o outro, fisicamente. Há regras, mas sem o juiz os contendores não conseguiriam se conter. Nos jogos de mesa, tipo baralho e xadrez, as cartas ou as pedras do jogo, representam reis, damas e valetes, ou reis, rainhas, bispos, torres e peões, encenando velhas guerras e produzindo no fim das partidas um vencedor e um vencido, metaforicamente destruído. No futebol a disputa é entre dois clãs que se propõem, de saída, a invasão do território alheio feito pelo time que maior número de vezes violentar a cidadela de seu adversário. Tudo é ou pretende ser submetido a regras, mas há um juiz incansável para punir os jogadores que passam quase todo o tempo driblando e/ou tentando inutilizar fisicamente quem a ele se opõe. É como se fosse uma guerra entre nações, que se reúnem para um campeonato mundial, cujas batalhas (partidas) são sempre precedidas pelo hino nacional solenemente cantado, em posição de sentido, pelos times em disputa. Os esportes são representações eufemísticas das guerras, tanto no plano individual como coletivo. Tanto servem para, eventualmente, atenuar a mortalidade das guerras, quanto paradoxalmente realimentar na mente dos torcedores e dos jogadores a competição e o torneio guerreiro, orgulhosamente cultivado. O diabo é que as metáforas nem sempre detêm a beligerância que desejaríamos ver submetida às regras da civilização. Quando menos se espera a barbárie volta a se impor subitamente, como no caso do Zidane, atropelando a festa civilizada com a qual ele tanto queria celebrar uma carreira de sucessos esportivos. O futebol está longe de ser o "ópio do povo", como se disse na imprensa nos dias da copa. Ao que parece, a guerra é que é o ópio do povo!
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